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QUILOMBOLAS COBRAM RELATÓRIO DO INCRA
O presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombo do Vale do Guaporé – Bela Cor, Hélio da Silva (o “Bi”), esteve em Cuiabá. A entidade cobra, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a retomada dos trabalhos para regularização das terras dos quilombolas. O Relatório Técnico Antropológico (RTA) foi interrompido, por falta de um profissional da área de Antropologia. A antropóloga que iniciou o estudo deixou a instituição, para assumir cargo em outro órgão público.
Hélio também solicitou apoio institucional da Assembléia Legislativa, por intermédio do deputado Airton Português. “Nós temos, atualmente, três processos de regularização de áreas de remanescentes de quilombos em andamento, em Mato Grosso (Mata-Cavalo, em Livramento, em Chapada dos Guimarães e a da Bela Cor, em Vila Bela), e precisamos insistir para que sejam concluídos esses estudos e os processos iniciados pelo INCRA”, explica Bi. O deputado informa que já solicitou a sua assessoria “que acompanhe de perto essa situação, junto ao INCRA ou outras instituições, para que a disputa pelas terras dos quilombolas possa ter um final digno para todos”. E completa: “são centenas de famílias que estão à espera dessa decisão, para poder trabalhar a terra e viver de acordo com a sua cultura, com os costumes herdados de seus antepassados, que foram pessoas trazidas à força para cá, para trabalhar na mineração, e que depois foram deixadas para trás, entregues à própria sorte”.
O analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do INCRA/MT, Edézio Souza Ponce, é um dos técnicos que acompanham os trabalhos. Segundo ele, ainda não há previsão de término dos estudos necessários para a regularização das terras em litígio. A Superintendência Regional de Mato Grosso aguarda um pregão, a ser realizado pelo Governo Federal, para contratação de antropólogo, que será lotado aqui. Só então o Relatório Antropológico poderá ter continuidade. Concluído o RTA, o passo seguinte é a elaboração de outro Relatório, Agronômico, para avaliar – em conjunto com os quilombolas – as potencialidades produtivas da região. Além disso, ainda há prazo legal para contestação, por parte dos atuais ocupantes das terras.
História dos conflitos
No Vale do Guaporé existem sete comunidades quilombolas: Mandioca Sequinha, Monjolo, Manuel Caetano, José Francisco, Carlos Augusto, Barranco Alto (o nome do quilombo foi adotado pela atual Fazenda litigante das terras) e Calvário, que integram a Associação dos Remanescentes de Quilombo do Vale do Guaporé – Bela Cor.
No início da década de 70, quando começaram as discussões sobre o direito à posse das terras ocupadas por remanescentes de escravos, o Quilombo do Calvário era formado por 40 famílias. De lá até a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, o caminho só podia ser percorrido de barco, e a viagem demorava dois dias, em canoas a remo. Nessa época, houve uma ação de expulsão dos moradores, envolvendo homens armados e – segundo relatos – até helicóptero.
Algumas famílias migraram para os quilombos Barranco Alto, José Francisco e Carlos Augusto, outras, para a cidade. Em 1978, nova ação, patrocinada por fazendeiros, expulsou os moradores desses três quilombos, que foram morar em Vila Bela.
Ao todo, a área pleiteada pelas sete comunidades soma cerca de 50 mil hectares, localizados entre a Serra Ricardo Franco e o Rio Guaporé. Hoje, aproximadamente 450 famílias de quilombolas ou seus descendentes aguardam decisão definitiva sobre a posse das terras. O processo de reconhecimento e certificação de posse das terras remanescentes dos quilombos se arrasta há vários anos.
Dois séculos de ocupação
Mais de 200 anos se passaram, desde que os negros – fugidos das minas e fazendas – começaram a ocupar as terras da beira da serra, até os conflitos da década de 1970. Fundada em 1752, por ordem da Coroa Portuguesa, para ser a sede da Capitania de Mato Grosso, Vila Bela da Santíssima Trindade foi a primeira cidade brasileira (e uma das poucas, à época) a ser construída a partir de um planejamento prévio. Uma planta, vinda diretamente de Lisboa (Portugal), definia todos os prédios públicos a serem construídos e os espaços destinados à construção da praça, da Igreja Matriz (cujas ruínas ainda são atrativo da cidade) e do casario do novo povoado que se formava.
A ocupação da porção mais a Oeste do Tratado de Madrid (1750, firmado entre Portugal e Espanha) era estratégica para a Coroa Portuguesa. E a descoberta de ouro no Vale do Guaporé demandava o aporte de mão-de-obra para sua extração, reafirmando a importância econômica da região. A opção foi pela compra de escravos trazidos da África.
Não demorou para que muitos deles, inconformados com a escravidão, fugissem para as matas, formando os primeiros quilombos. Muitas dessas comunidades foram atacadas mais de uma vez pelas bandeiras, organizadas pela regência da Capitania e por senhores de escravos. Relatos históricos indicam que um dos mais antigos quilombos de Mato Grosso, o do Piolho (situado à beira do rio de mesmo nome) ou Quariterê, sofreu a primeira grande investida em 1770. Duas décadas e meia depois, em 1795, uma nova bandeira, encontrou, no Quariterê, nova geração de quilombolas, agora, formada por negros, índios e mestiços.
Em 1835, com a transferência da capital para Cuiabá, somente os homens e mulheres jovens foram levados, para trabalhar. Os mais velhos e as crianças foram deixados para trás. Assim, os escravos – alguns alforriados, outros, regressados dos quilombos, tempos depois – foram, aos poucos, ocupando as fazendas e a cidade dos brancos. O desinteresse econômico e a dificuldade de acesso à região garantiram a esses grupos remanescentes relativo isolamento. Até que uma nova era de colonização do Centro-Oeste, intensificada nos últimos quarenta anos, pôs fim, mais uma vez, à tranqüilidade que reinava no belo e atraente Vale do Guaporé.
(foto de Rogério Andreatta – LEGENDA> Hélio da Silva (Bi), pres. da Associação Bela Cor)
(foto de Assessoria – LEGENDA> Dep. Airton Português)
Rogério Andreatta
Assessoria de Imprensa


